Uma Graça Não Merecida
A graça de Deus, e somente esta graça, pode oferecer salvação para a humanidade. “Assim, Deus criou os seres humanos à sua própria imagem... homem e mulher os criou” (Gênesis 1:27). A humanidade desobedeceu e corrompeu seu relacionamento original com Deus. Em nosso estado caído, não podemos fazer nada por nós mesmos para recuperar essa imagem nem o nosso relacionamento original com o nosso Criador. Nenhum esforço que fazemos pode restaurar a imagem de Deus em nós. Somente a graça pode nos restaurar à um novo relacionamento com Deus através de Jesus Cristo. Tudo começa e termina com a graça.
Por causa da queda, experimentamos a morte. Deus tinha avisado a Adão e Eva que eles certamente morreriam se eles comessem da árvore (Gênesis 2:17). Paulo confirmou a condição humana quando ele declarou que estamos mortos em nossos pecados (Efésios 2:1). Essa condição não era a intenção de nosso Criador, e sem a graça de Deus, não podemos ser restaurados.
Entender a condição da humanidade caída, nos leva ao entendimento da graça. Não tem nada na humanidade que seja bom (Romanos 3:10-12). Não podemos nos alegrar nem confiar nos nossos esforços para ganhar o favor de Deus. Deus, o Pai, em Sua infinita bondade, enviou Deus, o Filho, para morrer na cruz para a nossa redenção. Os crentes entendem a graça quando eles percebem que é algo totalmente imerecido.
A Graça que Chega Antes
Deus interviu pelo bem da humanidade, evitando que a consequência total do pecado tomasse lugar e possibilitando que cada pessoa respondesse a Ele em fé. Ele não nos deixou sozinhos nem desamparados na nossa condição de vivermos sob o poder e a contaminação do pecado. A expressão “graça preveniente” tem a sua origem no latin gratia preveniens, que quer dizer “graça que chega antes”. Gratia preveniens não é algo, mas é sobre Alguém que chega primeiro e que antecipa qualquer reação prévia. É realmente sobre Deus: Ele, em Sua graça, chega antes.
Deus nos busca mesmo antes de termos a consciência de que Ele está cuidando de nós. Ele já está lá, nos atraindo para nos despertar e nos mostrar o caminho para a salvação. A graça nos acompanha e chega antes de nós. A presença ativa de Deus é parte do processo que envolve a presença contínua do Espírito, que nos ajuda a avançar no relacionamento que nos sustentará e nos restaurará à imagem de Deus. Nenhuma situação ou pessoa está além do alcance da graça divina.
O sangue de Cristo provê os meios para a redenção de cada cristão (Hebreus 9:12). Deus está ativamente trabalhando em nós e conosco. A graça de Deus oferece a oportunidade para restauração de cada coração e mente humana. Essa graça fornece um estímulo vital e primordial que antecipa todas as respostas humanas enquanto ainda dá a oportunidade de responder positiva ou negativamente.
O Presente Amoroso de Deus da Liberdade
Para entender a graça essencialmente como amor é vê-la como relacional. O amor de Deus não nos força nem coage a vontade humana. Wesley escreve: “O Deus de amor está disposto a salvar todas as almas que ele criou… Mas ele não as forçará a aceitá-lo”.[1] Wesley acreditava que a graça era um dom gratuito e imerecido. A graça de Deus é fundamentalmente Seu amor pela humanidade: “Pois Deus amou o mundo de tal maneira que ele deu seu único Filho...” (João 3:16a). O dom da graça de Deus continua a nos dar vida até esse dia.
O conceito de Wesley da graça preserva a liberdade humana para fazer escolhas (caso contrário, Seu propósito para restaurar a humanidade à Sua imagem seria frustrado) e nos ajuda a entender melhor nossa situação atual em relação à responsabilidade humana. Wesley, citando Agostinho, disse: “Aquele que nos fez sem a nossa ajuda, não nos salva sem a nossa participação”.[2]
As pessoas geralmente perguntam por que nem todas as pessoas respondem positivamente à esta graça. Talvez você esteja pensando agora que é por causa do pecado, um poder que pode controlar a vontade humana (Romanos 6:14). Deus, em Seu amor, permite que homens e mulheres O escolham livremente. Ele permite que a humanidade aceite-O ou rejeite-O. As pessoas desobedecem a vontade de Deus não por falta de conhecimento, mas porque elas não são obedientes com o conhecimento que elas têm. Contudo, Deus continua a dar a todos a oportunidade de estarem com Ele ou contra Ele. Nas palavras de Wesley:
“Todos têm…bons desejos, embora a generalidade dos homens os sufoque antes que eles possam criar raízes profundas ou produzir qualquer fruto considerável. Todo mundo tem alguma medida dessa luz, algum tênue raio cintilante, que cedo ou tarde... ilumina todo homem que vem ao mundo... Todo mundo... se sente mais ou menos inquieto quando age contrariamente à luz de sua própria consciência. Para que ninguém peque porque não tem graça, mas porque não usa a graça que tem”.[3]
A graça de Deus, que é Seu amor, é o começo de tudo que é necessário para a nossa salvação. A graça justificadora é parte de um processo, precedido por outra dimensão de graça que é igualmente importante. De acordo com Wesley, a salvação é parte de um processo que começa com o primeiro estímulo que Deus nos dá mesmo antes de termos consciência disso. O amor de Deus é o estímulo primordial e vital que antecipa a resposta humana. Wesley chamou esse impulso primordial de “graça preveniente”.
A cooperação entre a liberdade humana e divina é ativa na graça preveniente e, depois disso, na justificação e na santificação. A associação sinérgica é importante no entendimento de que a restauração à imagem de Deus não acontecerá sem a nossa resposta. Não avançaremos na solução dos problemas que nos atormentam hoje a menos que entendamos nosso papel participativo e compartilhado com Deus dentro do propósito divino no processo inteiro de salvação que é possibilitado pela graça de Deus.
Marco Velasco é reitor acadêmico do Seminario Nazareno de las Americas.
Holiness Today, Setembro/Outubro de 2020
Bibliografia
Demarest, Bruce. The Cross and Salvation: The Doctrine of Salvation. (Wheaton: Crossway Books,
1997).
Garrastegui, C., Jones, William. Estas Doctrinas Enseño. Guía de Estudio para las Obras de Wesley.
USA: Ediciones WHF, 2002.
Harper, Steve. John Wesley’s Message for Today. (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1983).
Leclerc, Diane. Discovering Christian Holiness. (Kansas City: Beacon Hill Press, 2010).
Maddox, Randy. L. Responsible Grace: John Wesley’s Practical Theology. (Nashville: Abingdon Press,
1994).
Obras de Wesley, ed. Justo L. González. Tomo I, Sermones I; Sermón 1.
Runyon, Theodore. The New Creation: John Wesley’s Theology Today. (Nashville: Abingdon Press,
1998).
The Works of John Wesley, Vol. II, III, IV, VI, XI. (Nashville: Abingdon Press, 1992).
Wesley, John. Sermons (Nampa: Wesley Center for Applied Theology, 1999), http://wesley.nnu.edu/
[1] João Wesley, “On The Wedding Garment (Sermon 120),” The Wesleyan-Holiness Digital Library, https://www.whdl.org/wedding-garment-sermon-120. Acesso em 15 de junho de 2020.
[2] Frase de João Wesley, The Works of Rev. John Wesley (Kansas City, MO: Nazarene Publishing House, n.d.; and Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1958, edições atuais), VI, 53.
[3] João Wesley, “On Working Out Our Own Salvation (Sermon 85),” The Wesleyan-Holiness Digital Library, http://whdl.nbc.edu/working-out-our-own-salvation-sermon-85. Acesso em 15 de junho de 2020.