Lendo as Epístolas
Vinte e um, dos vinte e sete livros do Novo Testamento (NT), são considerados cartas. O livro de Apocalipse começa com sete cartas.
No primeiro século, o sistema postal do Império Romano só entregava correspondência governamental. Cidadãos comuns enviavam suas cartas através de mensageiros particulares ou amigos confiáveis que estivessem viajando na direção certa (Romanos 16:1-2; Efésios 6:21; Colossenses 4:7-9). Essas entregas levavam meses.
O apóstolo Paulo recebe o crédito de treze cartas do NT. Ele foi, obviamente, o herói da segunda metade de Atos, trecho que nunca menciona que ele escreveu cartas. Mas quando 2 Pedro foi escrita, algumas das cartas de Paulo já eram reconhecidas como Escritura Sagrada e estavam sendo mau interpretadas por “ignorantes e instáveis” (3:15-16).
Alguns de nós pode ter idade suficiente para lembrar as cartas típicas convencionais que agora chamamos de “correio normal”. Nós enviávamos cartas em envelopes com endereço de remetente no canto superior esquerdo. Não nos identificávamos até o fechamento da carta, depois de palavras como “Atenciosamente”, “Respeitosamente”, ou “Com amor”. Não ficávamos surpresos de recebermos cartas de pessoas totalmente estranhas que começavam com “Caro”. Para ler as cartas do Novo Testamento bem, é preciso um pouco de consciência das convenções antigas.
Remetentes. As cartas do primeiro século começavam com o nome do remetente. Depois de “Paulo”, oito cartas também começam com o nome dos co-remetentes. Perto do fim de Romanos, Tércio, que redigiu a carta do apóstolo, adicionou saudações pessoais (em 16:22). Outras cartas sugerem que alguém escreveu para Paulo antes dele acrescentar observações por seu próprio punho (1 Coríntios 16:22; Gálatas 6:11; 2 Tessalonissenses 3:17; Filemom 19-21). A primeira carta de Pedro reconhece o auxílio de Silas para escrever (5:12).
A maioria das cartas de Paulo o identificam com o título—“um apóstolo de Cristo Jesus”. Mas suas primeiras cartas mencionam somente seu nome e de seus co-remetentes. A autoridade de Paulo como apóstolo geralmente o distingue de seus irmãos co-remetentes, exceto Filipenses. Ali, Paulo e Timóteo compartilhavam o título: “escravos de Cristo Jesus”. Essa ênfase no serviço colegiado domina toda a carta. Quanto mais nós sabemos dos remetentes das cartas, melhor preparados ficamos para entender a mensagem.
Destinatários. Depois dos remetentes, a maior parte das cartas antigas indicavam seus leitores pretendidos, na maior parte, comunidades cristãs de um lugar em particular. Antes de aplicar as cartas para as nossas vidas, temos que lembrar que estamos lendo uma mensagem para outra pessoa ou grupo de pessoas. Os primeiros leitores viveram dois milênios atrás num clima político e cultural diferentes.
Ler a correspondência de outra pessoa é como escutar um telefonema só de um lado. Como preenchemos as lacunas de forma imaginativa na conversa, interpretações diferentes são inevitáveis.
Cuidado com o que você considera uma certeza. A ênfase de Paulo em alegria e unidade na igreja de Filipos talvez não nos fale nada sobre seus problemas. Isso pode refletir uma angústia de Paulo sobre uma igreja dividida na igreja da cidade de onde ele escreveu: alguns pregadores e Roma o odiavam enquanto outros o amavam (1:15-18).
Paulo escreveu cartas ocasionais. Elas respondiam a notícias e necessidades que ele conhecia. Ele não simplesmente enviava cópias de tratados teológicos idênticos para todas as igrejas que ele fundou. Cada carta era única e oportuna. Ele esperava que mensageiros confiáveis lessem suas cartas em alto e bom som para as congregações reunidas e para suprí-las como necessário (1 Coríntios 5:3-13; Efésios 6:21-22; Colossenses 4:7-16; 1 Tessalonissenses 5:27).
Os leitores designados de 1 Coríntios eram “ a Igreja de Deus em Corinto” e “todos os que invocam o nome do Senhor” (1:2). Paulo exortou os colossenses a lerem essa carta também em Laodiceia (4:16). Os primeiros manuscritos de Efésios não têm “em Éfeso” (1:1), eles podem ter circulado entre uma audiência cristã maior desde o início.
Paulo escreveu cartas comunitárias. Mesmo suas cartas para indivíduos tinham um público maior em mente. As cartas para Timóteo e Tito obviamente ofereciam diretrizes para as congregações que eles dirigiam. Sua carta para Filemom tratava de outros, incluindo a igreja que se encontrava em sua casa (2). O desafio continua: O que podemos aprender da carta que presume a continuidade da existência de escravidão?
Saudação. Somente Tiago preserva a saudação tradicional grego-romana para cartas: “Saudações” [Grego: chairein]. A maioria dos outros usa a variação cristã: “Graça” [charis].
Ações de Graças. A próxima sessão das cartas antigas tipicamente começa com “Eu/Nós agradecemos a Deus” ou “Louvado seja Deus”. A substituição da gratidão de Gálatas pela consternação horrorizada sinalizou claramente que nem tudo estava bem. Estas seções das cartas de Paulo geralmente apresentam a mensagem central de cada uma delas. Cientes disso, estamos melhor preparados para ler o balanço.
Corpo. É claro que o corpo das cartas antigas pode variar grandemente. Cada uma é única. Uma convenção comum é revisar mais uma vez o propósito: “Não queremos que vocês fiquem desinformados” (2 Coríntios 1:8), ou “Eu quero que vocês entendam” (Galatians 1:11). Filipenses (1:12-30) pode ser um exemplo típico.
Cartas pessoais nos dizem algo sobre o relacionamento entre seus remetentes e destinatários. Paulo tipicamente escrevia para oferecer um cuidado pastoral à distância para seus convertidos: Ele os lembrava de como ele os conhecia, quem eles eram antes de conhecerem a Cristo, quem eles tinham se tornado e como Deus desejava que ele vivessem pela graça. Ele informava os leitores das circunstâncias que os mantinham separados (1:12-26) e os planos para futuros encontros (1:27-30; 2:12-18, 23-24).
As cartas de Paulo não são palestras teológicas. Mas ele sempre lembrava os leitores de implicações práticas das suas convicções compartilhadas. Por exemplo, em Filipenses, Paulo apelou para a encarnação (tornar-se carne) de Cristo como o exemplo supremo de amor doador e serviço humilde (2:1-11). Ele exortava seus leitores a viverem a salvação deles de forma semelhante, colocando as necessidades dos outros acima de seus próprios interesses, assim como Timóteo, Epafrodito e Paulo mesmo havia feito.
Encerramento. Paulo geralmente terminava suas cartas revisando seus pontos principais. Em Filipenses, ele insistiu que servir aos outros era a fonte da alegria cristã—“o segredo de estar contente em toda e qualquer situação” (4:4-20).
A maior parte das cartas paulinas concluem com saudações de despedida e uma bênção. Você pode encontrar isso em Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito e Filemom. “Que a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vocês” (2 Coríntios 13:14).
George Lyons é professor emérito do Novo Testamento na Universidade Nazareno noroeste e editor do Novo Testamento da série New Beacon Bible Commentary.