Fazendo da História a Sua História: Descobrindo a Verdade e a Beleza do Antigo Testamento

Fazendo da História a Sua História: Descobrindo a Verdade e a Beleza do Antigo Testamento

No capítulo final do livro do Antigo Testamento que tem o seu nome, Josué reuniu o povo de Deus e lhes fez um discurso final antes de passar as rédeas de liderança na recém-habitada Terra Prometida para outros. O ponto crucial de seu discurso foi que agora que as pessoas estavam estabelecidas em Canaã, elas teriam que escolher que Deus elas iriam seguir e como seria o padrão de suas vidas a partir dali. Elas serviriam o Senhor (Yahweh), ou elas iriam atrás de deuses de outras nações que viviam naquela terra? É muito famoso o discurso de Josué, que proclamou: “Quanto a mim, eu e minha família serviremos ao Senhor" (Josué 24:15).

Um dia, ao ler esse texto, eu fui levado a refletir sobre a forma com que a fala de Josué lida com os substantivos e pronomes. Várias vezes, enquanto Josué narrava a história da redenção de Israel do Egito para Canaã, ele ia e vinha com os substantivos “seus antepassados” e “vocês”. Por exemplo, Josué declarou (em nome de Deus): “Quando tirei os seus antepassados do Egito, vocês vieram para o mar... Mas os seus antepassados clamaram a mim, e eu coloquei trevas entre vocês e os egípcios... (Josué 24:6,7). A escolha de palavras de Josué foi com propósito. O povo diante dele não era o grupo original de pessoas que passaram pelo Mar Vermelho sobre a terra seca. Somente Josué e Calebe permaneceram da geração liderada por Moisés. Josué estava falando para a geração original de filhos e netos. Josué estava narrando para eles a história de seus ancestrais. O que Deus fez por seus ancestrais, Deus também tinha feito por eles.

Vamos pular várias e várias gerações; eu afirmo que a abordagem retórica de Josué ainda se aplica. O que aconteceu com nossos ancestrais na fé aconteceu conosco. A história deles agora é a nossa história. Esta, acredito, é a principal razão pela qual os cristãos deveriam continuar a ler e meditar nas Escrituras que os cristãos se referem como o Antigo Testamento. Lemos o AT para enraizar a nossa história, a história de Jesus e a história da igreja primitiva na grande história da atividade redentora de Deus em Israel. O que Deus fez pelos nossos ancestrais, Deus fez por nós.

Tendo dito isso, aprender a ler e interpretar bem o Antigo Testamento não é tarefa fácil. Montanhas de livros têm sido escritos nos últimos dois mil anos, tentando ajudar cristãos a explorarem e entenderem a verdade e a beleza desse texto antigo. Nenhuma reflexão curta seria suficiente para desempacotar a importância de ler e explorar as Escrituras hebraicas, mas deixe-me sugerir, pelo menos, três coisas importantes para manter em mente para aqueles prontos a tornarem própria a história de nossos ancestrais.

Preste Atenção aos Gêneros Literários

Um erro comum que leitores do dia a dia do AT cometem é que eles falham em prestar atenção adequada aos muitos tipos de literatura que estão presentes ali. O AT contém muitas narrativas históricas, mas também tem literatura poética, apocalíptica, de sabedoria, salmos, oráculos, leis e como forma de parábolas (só para indicar algumas). Para complicar ainda mais é que alguns livros contêm múltiplos gêneros. Alguns dos gêneros são óbvios (por exemplo, Salmos são claramente canções poéticas ou orações); entretanto, outros não são tão claros e são fonte de debate acadêmico.

Deixe-me lhe dar um exemplo do porque é importante prestar atenção aos gêneros literários. Em Provérbios 22:6 diz: “Ensine seus filhos no caminho certo, e, mesmo quando envelhecerem, não se desviarão dele”. Com o passar dos meus anos de ministério, eu tenho encontrado diversas pessoas cujos filhos têm vivido vidas pródigas; cujos pais usaram esse versículo comigo e, então, tentavam entender o que eles tinham feito de errado. É claro que, de acordo com esse texto, se eles tivessem criado seus filhos corretamente, eles não teriam se desviado da fé. Essa interpretação pode ser problemática, porque ela é uma má compreensão da função de provérbios que são palavras de sabedoria; provérbios não são promessas. Geralmente é verdade e sempre sábio criar os filhos da maneira que você deseja que eles vivam. Entretanto, as pessoas têm livre-arbítrio. Os pais podem fazer tudo certo e ainda seus filhos escolherem uma direção diferente. Então, entender o gênero literário dos Provérbios como “palavras de sabedoria” é importante em como lemos, ensinamos e pregamos o conteúdo. O mesmo é verdade em relação a todos os livros do AT—o gênero literário importa.

Leia com a Comunidade Cristã

Ler com a comunidade não quer dizer, necessariamente, que você deveria ler o AT somente em grupos pequenos ou em aulas de estudo bíblico (embora isso possa ser bem útil). Quer dizer que ao lermos o AT, deveríamos lembrar que o principal propósito desses textos é formar o povo de Deus, único e especial. Muitos estudiosos do AT acreditam que as Escrituras hebraicas, como as temos agora, se organizaram depois do exílio babilônico do sexto ano a.C. Elas foram escritas como uma forma de garantir que o povo de Deus era capaz de manter sua identidade exclusiva enquanto viviam na Babilônia e, então, viverem essa identidade fielmente assim que saíssem do exílio. Com isso em mente, eu sempre faço essas perguntas quando leio um texto do AT: Por que o povo de Deus desejaria contar essa história aos seus filhos? Como essa história molda seu entendimento sobre Deus? Como é que essa visão de Deus, da humanidade, da criação é diferente das nação que cercavam Israel? Essas perguntas nos ajudam a ler o texto com a comunidade de fé.

Ler com a comunidade também significa prestar atenção à história da interpretação tanto através da história judaica quanto da cristã. Isso pode exigir um pouco mais de estudo, mas eu tenho descoberto que é extremamente valioso, não somente entender como outros cristãos têm entendido o AT, mas também como as tradições judaicas têm vivido nesses textos e a partir deles.

Ler Cristologicamente

É claro que os primeiros cristãos judeus pensavam que até os discípulos gentios deveriam prestar muita atenção às Escrituras hebraicas (veja o encorajamento de Paulo em 2 Timóteo 3:16). Sem o entendimento do AT, os cristãos gentios poderiam simplesmente perder o contexto hebraico para o significado e o propósito da vida de Jesus. Entretanto, eles também queriam que todos os cristãos—judeus e gentios—interpretassem o AT através da revelação de Deus na pessoa de Jesus Cristo. Por exemplo, é claro que, para o apóstolo Paulo, a última palavra numa lei como circuncisão, não é Gênesis ou Levítico, mas Jesus. Isso não quer dizer que Jesus aboliu a Lei, mas certamente em Cristo a Lei está agora cumprida—ou, como eu prefiro dizer, está “totalmente realizada”. Com isso, eu quero dizer que a vida de Jesus (e agora, para cristãos, a vida no Espírito) não elimina a Lei ou precisa de formação moral em nossas vidas, mas ele coloca as nossas vidas em harmonia com as esperanças e intenções mais profundas da Torá.

Ler com lentes cristológicas nos ajuda a navegar muitas das passagens do AT. Outro exemplo é que a última palavra de Deus sobre guerra e violência não são as várias batalhas e genocídios narrados em livros como Josué e Juízes. Esses textos também devem sempre ser lidos através da vida, morte e ressurreição de Jesus.

Depois que Josué deu o seu maravilhoso discurso “quanto a mim e minha casa”, aqueles que se encontravam ali responderam: “Longe de nós abandonar o Senhor para servir outros deuses! Foi o próprio Senhor, o nosso Deus, que nos tirou, a nós e a nossos pais, do Egito...” (Josué 24:16,17). Você captou? Os ouvintes captaram o ponto chave do sermão de Josué. Eles entenderam que o que Deus havia feito por seus ancestrais, Deus havia feito por eles. Essa é a minha esperança para você quando você ler o AT. Seu estudo pode, certamente, ser complicado e exigir um tanto de trabalho. Entretanto, ao investigar, eu espero que você descubra que o mesmo Deus que redimiu Israel está redimindo você. O mesmo Deus que carregou Israel através do exílio babilônico, está sustentando você nesses dias tão desafiadores. Que você descubra que a história do Antigo Testamento é a sua história também.

T. Scott Daniels é pastor titular da Igreja do Nazareno em Nampa College, Idaho, EUA.

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