Uma História de Fé A História de Simeão

Uma História de Fé A História de Simeão

Simeão não era neu nome de nascimento. Foi o nome que escolheu e para ele era um símbolo de sua inegável nova vida. Ele tinha, em todos os sentidos, nascido de novo.

 

Simeão nasceu em um pequeno vilarejo no oeste do Quênia às margens do cintilante Lago Vitória, entre os membros da tribo Luo. Desde os primeiros dias ele foi forte, confiante e arrogante. Sua família era grande e assertiva. Sua mãe era poderosa e falante. Simeão intimidava as crianças e os jovens da sua vila e aproveitava todas as oportunidades para beneficiar-se às custas deles. O povo local o odiava e temia enquanto ele passeava pela pequena cidade empoeirada ao lado do lago.

 

A sociedade do oeste do Quênia onde ele cresceu era distintamente patriarcal, e as mulheres tinham tinham pouco a dizer que afetasse as suas vidas. Cada mulher era propriedade do marido e, se ele morresse, ela se tornaria propriedade da família do marido. Era a lei Luo. Os homens praticavam a poligamia e, quando jovem, Simeão escolheria dez mulheres para completar o seu harém. 

 

Nos seus trinta anos, Simeão começou a viver de um jeito pelo qual se arrependeria amargamente. Por sugestão de seu irmão Alfonse, Simeão viajou para Uganda para ajudar a construir agências de correios para o governo. Era uma operação lucrativa e a riqueza de Alfonse fez com que ele ascendesse aos círculos superiores da vida social ugandesa. Simeão acompanhou tudo ansiosamente e seguiu seu irmão até o santuário de Idi Amin, o presidente de Uganda na época.

 

Simeão tinha um metro e noventa de altura e era excepcionalmente forte. Seu rosto redondo e cheio chamava a atenção para sua personalidade gregária e enérgica. Logo, o presidente o marcou para um serviço especial. Amin era conhecido por seu governo diabólico e assassino e precisava de alguns homens poderosos para realizar suas missões homicidas. Ele analisou Simeão e encontrou nele a capacidade para atos brutais e cruéis. Simeão era atraído pela riqueza e pelo poder fornecidos por homens como Idi Amin.

 

Enquanto esteve na Uganda, Simeão teve dez esposas, mas nenhuma delas teve filhos. Em sua sociedade, isso era de fato uma desgraça para sua masculinidade. No entanto, Simeão tornou-se um homem de reputação poderosa, primeiro como guarda na comitiva de Amin e depois como uma espécie de embaixador da Uganda em eventos em países como os EUA, o Japão, o Canadá e a Alemanha. Estes países “civilizados” não recebiam bem o despótico Amin, por isso Simeão era enviado para representar as preocupações da Uganda. Ele deveria aumentar o interesse e o apoio aos projetos que o governo pretendia estabelecer.  Seu sucesso era notável. Sua reputação de crueldade e homicídio era igualmente notável. Quando o regime de Amin caiu e o presidente procurou asilo num país do Oriente Médio, Simeão foi procurado pelas autoridades e admitiu ter matado 1.000 pessoas por ordem do seu presidente.

 

Forçado a fugir das autoridades, abandonou as suas dez esposas e regressou ao pacato vilarejo queniano junto ao lago. Com seriedade, ele embarcou na construção do seu reino terrestre usando o pagamento do governo que tinha acumulado. Sua riqueza era considerável e ele construiu para si uma casa luxuosa e com ar-condicionado no vilarejo pobre. Ele e seu irmão lançaram um negócio de transporte e compraram caminhões e equipamentos de grandes custos. Uma poderosa animosidade e ciúme cresceram nos corações do povo local enquanto testemunhavam suas extravagâncias.

 

O reino egocêntrico de Simeão se expandiu e ele se tornou mais poderoso e cheio de vaidade, mas a fome de sua alma era algo que corroía seu interior endurecido. Numa manhã de primavera, na sua cidade poeirenta, ele encontrou um bando de nazarenos dos EUA e do Canadá que iriam levá-lo a lutar contra esta fome. Este grupo alegre e comprometido era uma equipe de Trabalho e Testemunho que precisava de seus serviços de transporte para trazer um caminhão cheio de material de construção para uma nova igreja em seu vilarejo.

 

Durante duas semanas, Simeão transportou madeira e estanho, blocos e tijolos. Durante duas semanas, ele encontrou a obra convincente de Deus. Todos os dias, ele ficava encostado a uma árvore enquanto a brisa quente e abafada do Quênia rodopiava sobre o local de trabalho e perguntava-se sobre estas mulheres e homens nazarenos que deixariam a segurança e o luxo dos EUA e do Canadá, suportariam o calor e o empobrecimento do oeste do Quênia, e se gastariam entre os pobres desta vila à beira do lago. Eles o convidaram para ir à igreja, conversaram com ele sobre Deus e lançaram sobre sua alma sedenta uma chuva do amor redentor de Deus. Embora inicialmente confuso, Simeão logo foi dominado por um novo paradigma de graça e amor, no qual nunca havia tropeçado em sua vida.

 

A equipe voltou para casa depois de seu breve trabalho, deixando Simeão ainda maravilhado. A nova igreja não estava concluída, então o missionário residente, Dan Anderson, continuou a contratar os serviços de transporte desse homem de alma sedenta. Durante as semanas que se seguiram, Dan teve várias ocasiões em que conversou com Simeão de maneira fácil e agradável.

 

Em um dia úmido e calmo, após uma conversa particularmente comovente, Simeão perguntou: "Se você fez muitas coisas erradas, esse Cristo ainda pode perdoar?"

 

"Oh, sim. Ele está no negócio especial do perdão, até mesmo dos mais iníquos", garantiu Dan.

 

Simeão, um homem poderoso no corpo e no reino terreno, quebrantado no espírito, curvado sob o peso da culpa, entregou seu coração faminto nas mãos de Jesus. E Deus, por causa de Cristo, lançou seus pecados no mar da misericórdia. Foi um momento surpreendente e impagável na vida dos dois homens, e somente Deus previu o resultado dessa simples decisão.

 

A partir daquele momento, Simeão sabia que era uma nova criatura e caminhou fielmente a curta distância até a nova igreja todos os domingos. À medida que crescia na graça e no conhecimento de Deus, seu coração outrora malicioso se desprendeu de suas amarras e Deus colocou nele um coração de misericórdia e ternura.

 

Ele conheceu e se casou com uma mulher cristã alta e adorável, Pamela, que lhe deu quatro filhos preciosos enquanto ele continuava a caminhar com Deus na pequena cidade à beira do lago.

 

Foi algum tempo depois que Roger Gastineau, o missionário que gerenciava as equipes do Work & Witness na Africa Nazarene University, precisou dos serviços de uma empresa de transporte e pediu a Simeão que fosse a Nairobi para ajudar no trabalho na ANU. No final da década de 1980, Simeão se mudou para a capital e começou a frequentar a Central Church of the Nazarene (Igreja do Nazareno Central). Sua personalidade forte e carismática o preparou para o serviço nessa igreja. Sua fidelidade impressionou tanto a congregação que ele foi eleito para a junta da igreja e se tornou um forte instrumento nas mãos de Deus. O testemunho em seus lábios, dito a todos os voluntários do Trabalho & Testemunho na ANU e àqueles que ele conhecia, era: "Sou Simeão e sou muito abençoado por Jesus ter me perdoado".

 

Simeão caminhava pelos becos estreitos das favelas de Kibera, e as crianças da rua o seguiam. Seu sorriso chegava ao coração das pessoas em dificuldades dessa comunidade e, quando elas respondiam ao evangelho, uma Igreja do Nazareno surgia em um local e depois em outro. Uma igreja doméstica de 50 ou 60 pessoas deu origem à Igreja Rock of Ages, à Igreja Woodley e à Igreja Kabette. As mãos de Deus se moviam por meio das mãos de Simeão e as pessoas eram levadas a Jesus por esse homem cheio de graça.

 

Ainda assim, sua luta contra os horrores do passado muitas vezes o levava ao escritório silencioso de seu pastor, onde ele se angustiava com a culpa.

 

"Será que Jesus realmente me perdoou?", ele perguntava enquanto sofria um doloroso tormento. Ele não conseguia perdoar a si mesmo.

 

Don Messer apontava com delicadeza e ternura as promessas de perdão da Palavra, ajoelhava-se e orava com esse homem africano robusto. Juntos, eles derramavam as dúvidas acumuladas, e Deus, por sua vez, derramava sua tranquilidade e paz. Don pastoreou Simeão por três anos. 

 

O declínio de Simeão começou com resfriados crônicos e repetidos; cada recorrência o deixava mais fraco e mais debilitado. Ele parecia não conseguir se recuperar totalmente e, com o passar dos meses, ficou óbvio que ele estava gravemente doente. Embora nunca tenha sido diagnosticado com HIV/AIDS, Don estava convencido de que Simeão estava morrendo dessa praga desenfreada e implacável. Durante as últimas três semanas de sua vida, Simeão ficou deitado em uma enfermaria de hospital no Quênia, definhando para longe deste mundo. Seu pastor vinha regularmente visitá-lo e esteve com ele em suas últimas horas. Foi com profunda tristeza, mas também com profunda alegria, que Don ouviu suas últimas palavras: "Sou muito abençoado, pois Jesus me perdoou".

 

Assim que sua família soube que Simeão estava morto, seus irmãos entraram em sua casa e retiraram tudo o que tinha ali. Agora era deles e eles confiscaram tudo o que não estava permanentemente fixado no prédio. Tiraram as luminárias, as tomadas elétricas, as portas, as dobradiças e a fiação elétrica. A esposa e os filhos desse homem de Deus eram agora propriedade de Alfonse.

 

Mais de 1.000 pessoas compareceram ao funeral de quatro horas de Simeão, realizado na Igreja do Nazareno Central. As vozes de mulheres e homens africanos se uniram à música vibrante dos resgatados. Alguns membros da família falaram palavras de lembrança. Por fim, o caixão foi carregado até a van da igreja, onde Pamela e outras quatro mulheres seguiram em silêncio para o lado oeste do Quênia, a cidade natal de Simeão. Atrás da van seguiam caminhões, vans, scooters e bicicletas que levavam várias centenas de mulheres, homens e crianças em luto.

 

Era costume entre a tribo Luo que um segundo funeral fosse realizado no vilarejo do falecido, mas como ele deveria ser realizado ao amanhecer, a comitiva parou na cidade de Kisumu para esperar até que o sol raiasse sobre a grama oriental de Mara. As pessoas apropriadas foram notificadas, a notícia foi enviada e o túmulo foi cavado na terra vermelha e quente do vilarejo ao lado do lago.

 

Quando o sol quebrou o feitiço da noite e bateu nas bananeiras, nas cabanas de barro, nas casas de pedra e nos telhados de zinco da cidade natal de Simeão, a caravana de carros e vans percorreu lentamente as estradas de tijolos da vila. Os motoristas emitiam uma cacofonia de buzinas que atraíam os moradores para a rua com curiosidade. Quando entenderam que Simeão estava morto, muitos aplaudiram com alegria, pois só se lembravam do tão odiado valentão da cidade. A van da igreja de Nairobi dirigiu-se solenemente para o terreno da igreja que Simeão havia visto ser erguida oito anos antes. Era meio da manhã, e o calor do dia já era intenso quando a multidão de mais de 1.000 pessoas se reuniu para sentar na grama ou ficar na sombra das acácias.

 

Don estava à frente do caixão pintado de branco. Poucos metros à sua frente, entalhada na madeira do caixão, havia uma pequena janela retangular de vidro que revelava o rosto de Simeão. O cheiro de morte emanava do caixão de pinho, e os muitos que passavam por ele demonstravam uma gama de emoções. Alguns choravam baixinho, outros gritavam e lamentavam, e outros ainda batiam no peito ou cuspiam maldições sobre o caixão.

 

Era um costume dos Luo que os homens e mulheres que desejassem se apresentassem diante do falecido e falassem seus pensamentos, colocando em ordem suas dívidas emocionais para que o espírito do morto não voltasse para incomodá-los. Assim, muitos quenianos se apresentaram e teve início uma sessão de três horas de monólogos. Cada orador expunha seus pensamentos em sua língua materna, e suas palavras eram traduzidas para o inglês, suaíli ou luo para que todos pudessem ouvir e entender. O evento prosseguiu sob o calor do sol da tarde.

 

De sessenta a setenta por cento do povo local que se levantou para falar amaldiçoou Simeão.

 

"Estou tão feliz que você tenha morrido", começaram eles, pois só o conheciam como o homem brutal, arrogante e rico de anos atrás.

 

Em algum momento durante esses comentários catárticos, a mãe de Simeão se levantou e se aproximou do caixão.

 

"Esse homem poderoso veio do meu ventre. Estou muito feliz por ter dado à África um homem tão poderoso. A polícia tinha medo dele, os funcionários do governo o deixavam em paz e ele podia fazer o que quisesse por causa de seu poder. Este é o homem que dei ao mundo."

 

Imediatamente depois de voltar ao seu lugar, Pamela deu um passo à frente e ficou de pé diante do caixão de seu marido.

 

"Essa mulher é uma mentirosa. Eu conheci Simeão como cristão e as pessoas o amavam. As crianças o amavam e seguiam seus passos. Eu o conheci como meu pastor, e sou muito abençoada. Simeão teve dez esposas em Uganda e não teve filhos. Na África, esse não é um homem poderoso. Não há poder nesse homem. Nossos quatro filhos vieram de meu ventre e de seus lombos depois que ele se tornou cristão. Então ele passou a ter poder: o tipo de poder que leva o amor ao coração de homens perversos e egoístas. Esse poder vem de Cristo e é o tipo de poder que a África precisa, não o dessa mulher e de seu ventre."

 

Pamela deslizou silenciosamente entre as pessoas reunidas, e da multidão vieram os suaves e tristes acordes de “Rude cruz”:

 

            Sim, eu amo a mensagem da cruz; Té morrer eu a vou proclamar

            Levarei eu também minha cruz; Té por uma coroa trocar.

 

Quando a multidão terminou o discurso, Don se adiantou para proferir algumas palavras finais. Ele falou do poder do perdão. Finalmente, ele entregou Simeão nas mãos do Deus misericordioso do universo.

 

O caixão foi baixado lentamente na terra vermelha e colocado sobre uma plataforma de blocos de cimento. Uma segunda camada de blocos foi firmemente colocada sobre o caixão, e a terra vermelha, pá após pá, foi devolvida ao seu lugar acima dos restos mortais de Simeão. Ali descansou um homem de Deus cujo poder tinha origem em Jesus Cristo, o Filho de Deus.

           

Donna Alder é professora emerita na Roberts Wesleyan College.

 

 

 

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