Bondade

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Uma vez, quando eu era criança, uma senhora idosa se aproximou de mim para fechar o zíper do meu casaco em um dia frio de inverno. “Menino bondoso e gracioso”[1], ela disse em inglês, “você vai pegar um resfriado”. Seu uso da palavra “bondade” me intrigou. O que ela queria dizer exatamente? O uso que Paulo fez da palavra “bondade” (agathosyne) pode também ser um tanto intrigante.

Geralmente, quando pensamos na palavra “bondade”, tendemos a pensar em fazermos atos aleatórios de gentileza: comprar uma xícara de café para alguém, participar de uma conversa agradável, ajudar um estranho a trocar o pneu, dar uma carona a um amigo e por aí vai. Pode ser verdade que “bondade” (agathosyne) envolve tais atos de generosidade e, ainda assim, também incorpora algo mais. Bondade carrega consigo um elemento de excelência moral que envolve o bem-estar dos outros.[2]

Considerar o aspecto de excelência moral quando pensamos no fruto da bondade é como encontrar uma peça de quebra-cabeça perdida. As cores e os esquemas das outras peças começam a fazer sentido e, uma após a outra, pedaço por pedaço, o que uma vez parecia intrigante agora começa a se encaixar perfeitamente no seu devido lugar. Sem a peça de excelência moral, o nosso conceito de bondade pode facilmente ser mal entendido.

No coração da mensagem de Paulo em Gálatas 5 (o quebra-cabeça que Paulo está tentando nos ajudar a montar) é a admoestação para que os cristãos não usem sua liberdade em Cristo como uma oportunidade para satisfazer suas buscas egoístas (5.13). Buscas egoístas são o oposto do que é bom. Todo pecado, em algum sentido, é enraizado em ambição egoísta. Essencialmente, o pecado é um amor autocentrado e egoísta. Em última análise, ele se torna um “ato de autosabotagem”[3] que resulta em relacionamentos fraturados. Ele nunca edifica; só destroi. Como o dramaturgo romano Sêneca uma vez disse: “o bom não surge do mau, assim como figos não crescem de oliveiras”.[4]

Paulo está preocupado se a recém descoberta liberdade resultará em falta de controle moral. Eu gosto de ver a dicotomia de Paulo entre as obras da carne e o fruto do Espírito como um jardim com escolhas de limites para as nossas vidas. Na estimativa de Paulo, é bem óbvio que as obras que a carne produzirá não são boas. Imoralidade sexual em todas as suas variadas formas, adoração induzida por drogas (“bruxaria”), bebedeiras, inveja, ciúmes e raiva oferecem felicidade, mas consistentemente produzem tragédia, destruição e solidão.

Uma pessoa disse em relação a essa liberdade que questões como a liberação sexual podem ter nos libertado, mas que é “como um astronauta cortando sua válvula de oxigênio. É a liberdade para estar perdido—completamente perdido e sozinho. O quanto isso deve doer, antes das pessoas começarem a dizer: ‘Não é mais divertido’ . . .”[5] Isso não é bom, tem que ter algo melhor que isso?

Numa forma sutil, Paulo está apresentando a todos nós uma escolha. As nossas opções são semelhantes às escolhas que Adão e Eva enfrentaram no Jardim e os israelitas encontraram no limiar da Terra Prometida. Deus colocou diante de nós: vida e morte, bem e mal.

Há algumas semanas, eu levei meus filhos ao lago para andar de caiaque. Foi bom. O sol estava brilhando, o céu estava azul e as águas estavam calmas. A minha esposa e meus filhos estavam inclinados em seus caiaques absorvendo toda a “bondade” e isso me fez pensar: Quantas coisas “boas” eu teria perdido se eu não tivesse permitido que o Espírito de Deus guiasse a minha vida?

A coisa que mais me intriga sobre definir “bondade” é que não é uma única escolha, mas uma série de escolhas que amadurecem com o tempo. É como Eugene Peterson diz: “uma longa obediência na mesma direção”.[6]

Por favor, não me entenda mal—certamente não estou promovendo um evangelho de pseudo-prosperidade sobre uma “boa” vida. Entretanto, definir a palavra “bondade” pode ser intrigante, porque a maioria das coisas “boas” demoram para acontecer e geralmente ficamos impacientes para vê-las. É por isso que a qualidade moral de “bondade” (agathosyne) importa. “Bondade” é uma série de escolhas morais na direção correta. Ela tende a amadurecer com o tempo.

Eu geralmente digo a novos cristãos para darem suas vidas completamente para o Senhor com cada fibra de seu corpo e eu posso garantir que eles vão olhar para trás, com maravilhamento, diante de todo o “bem” que Deus tem feito em suas vidas: relacionamento restaurado, oportunidades inimagináveis para servir outros no amor semelhante a Cristo e até contentamento com pouco e com muito.

Eu já enfreitei consequências de dor, solidão e sofrimento que o pecado produz. Eu ainda posso lembrar do dia que estava sentado num bar depois de anos de abuso de substâncias, pensando comigo mesmo: “tem que existir algo melhor do que isso”. Eu me levantei, saí e nunca mais voltei a esse estilo de vida. Uns dias depois, eu me ajoelhei na minha casa e escolhi vida—graça, bondade—eu escolhi Jesus! Esse foi só o começo de uma série de escolhas que continuam a amadurecer com o tempo.

O pecado tem um jeito de fragmentar relacionamentos e destruir o que é bom. Bondade, entretanto, é uma série de decisões morais que amadurecem com o tempo, lentamente adoçando o nosso relacionamento com Deus e com os outros. Com o tempo, você vai olhar para trás e vai dizer: “Menino gracioso e bondoso... Deus é bom!” E “bondade” não vai parecer tão intrigante.

Gordon Smith.

 

[1] Nota da tradutora - Ela disse em inglês e essa foi uma tradução literal de “Goodness gracious, child” (Goodness = bondade), que literalmente quer dizer: “Menino bondoso e gracioso”, uma expressão que não é comumente utilizada na língua portuguesa, mas expressa uma exclamação carinhosa de chamada de atenção de alguém na cultura norteamericana.

[2] George Lyons, “Galatians” em New Beacon Bible Commentary (Kansas City: Beacon Hill, 2012), Kindle: 8886.

[3] Paul J. Waddell, Happiness and the Christian Moral Life (New York: Rowman & Littlefield, 2016), 165.

[4] Craig S. Keener, Galatians: A Commentary (Grand Rapids: Baker, 2019), 517.

[5] Kh. Fredrica Mathews-Green, “The Splendor of Purity” in Healing Humanity: Confronting Our Moral Crisis  (Jordanville: Holy Trinity, 2020), 35.

[6] Eugene H. Peterson, A Long Obedience in the Same Direction (Downers Grove: IVP, 2021), 200.

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